Estado de SP e União decidem tirar Ferroanel da gaveta – Valor Econômico

Sob o risco de colapso no transporte de cargas pela maior região metropolitana do país, a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin começaram a destravar as negociações em torno do Ferroanel de São Paulo, tido como projeto estratégico do setor ferroviário.

As equipes de Dilma e de Alckmin chegaram a um difícil consenso e decidiram retomar a ideia original do Ferroanel: a construção de um trecho de 66 quilômetros entre Campo Limpo Paulista (por onde passam os trens vindos de Campinas) e Engenheiro Manoel Feio (a caminho do porto de Santos). Trata-se do chamado Tramo Norte. Diferentemente da versão anterior, no entanto, o novo projeto deverá seguir o traçado do Rodoanel Norte, a partir da estação Perus.

Ainda falta muito para o início das obras, mas o processo de licenciamento ambiental poderá tramitar junto com o do trecho norte do Rodoanel. Calcula-se que cerca de 80% do traçado do Ferroanel acompanhará o anel rodoviário, que tem uma previsão de 150 metros de faixa de domínio (área de reserva nas laterais que evitam sua ocupação desordenada). Para o licenciamento ambiental, estuda-se estender a faixa de domínio em mais 30 metros, dando espaço para a instalação dos trilhos. Sabe-se que haverá a necessidade de túneis e viadutos, já que as obras vão atravessar a Serra da Cantareira.

Com isso, o governo federal e o de São Paulo pretendem resolver a convivência cada vez mais tumultuada entre os trens de cargas e de passageiros. Hoje, as composições de cargas da MRS Logística – concessionária que atua na região – só podem atravessar a Grande São Paulo durante as janelas de ociosidade nas operações de passageiros da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM).

A novidade não vem apenas do setor público. Pela primeira vez, a própria MRS admite financiar – ainda que parcialmente – a obra, orçada em mais de R$ 1 bilhão. Sem detalhar a equação financeira do projeto, o presidente da empresa, Eduardo Parente, diz que há disposição da MRS em liberar recursos para o Ferroanel e propõe, em troca, uma extensão do contrato de concessão, que expira em 2026.

De acordo com o executivo, a construção do anel ferroviário tornaria viável o maior uso dos trilhos para o transporte de produtos como soja e açúcar para Santos. “De 2,5 milhões de TEUs (contêineres equivalentes a 20 pés) que chegam ao porto, por ano, só 80 mil são transportados por ferrovias. Com o Ferroanel, esse volume pode aumentar facilmente para 1,5 milhão de TEUs. Dá para tirar, tranquilamente, 5 mil caminhões por dia de circulação da cidade de São Paulo”, assegura Parente.

A volta ao projeto original aposenta a ideia de construir uma passagem subterrânea para cruzar o centro da capital. Essa solução, apelidada de “mergulhão” pelas autoridades que discutiam o assunto, incluía um túnel de dois a três quilômetros de extensão nas regiões da Luz e do Brás. Ela complementava o projeto de duplicação das vias, na região sul da Grande São Paulo, compartilhadas hoje por cargas e passageiros. Aproveitando a faixa de domínio desocupada da ferrovia já existente, segregava as duas redes e dava uma solução mais barata – estimava-se R$ 800 milhões – ao problema, mas mantinha outro: cargas pesadas continuariam passando por áreas densamente povoadas. Por isso, o prefeito Gilberto Kassab vetou a ideia com veemência, o que a jogou dentro da gaveta.

A segunda alternativa, agora descartada, previa a construção do Tramo Sul do Ferroanel, entre Evangelista de Souza e Rio Grande da Serra. Para a MRS, era uma obra de pouca eficiência logística. O governo federal também a via com desconfiança. Para o governo de São Paulo, no entanto, era uma obra que permitia escoar alguma carga vinda do interior paulista pelo porto de Santos, sem dar ao transportador a opção de seguir por trilhos rumo a Itaguaí (RJ), visto como concorrente do porto paulista.

Tantas idas e vindas atrasaram em mais de dez anos a execução do Ferroanel. Agora, diferentemente do que ocorreu no passado, todas as esferas de governo estão alinhadas. As divergências internas que havia no governo de José Serra (2007-2010) também foram superadas. “Há um clima de entendimento”, afirma Bernardo Figueiredo, diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Se já existe consenso em torno da escolha pelo Tramo Norte do Ferroanel, a equação financeira do projeto ainda não tem uma definição. Figueiredo vê com cautela a sugestão da MRS de desembolsar recursos próprios para a obra, em troca de prorrogação da concessão. “É uma possibilidade, mas não é a única, nem é a possibilidade que consideramos em primeiro lugar”, diz.

A consultoria francesa Logit foi contratada para fazer um estudo sobre a demanda de cargas que podem passar pelo Ferroanel. Em 2007, um relatório do BNDES mantido sob reserva pelo governo considerou a obra “urgente” e classificou o compartilhamento da malha ferroviária na região metropolitana de São Paulo como “um dos maiores gargalos logísticos do país”.

O secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, adverte que a situação só vai piorar. “A partir de 2015, e portanto nos restam apenas quatro anos, teremos ainda mais dificuldades para arrumar janelas para a operação de cargas na Grande São Paulo”, diz. Ele explica: todas as linhas da CPTM estarão operando com intervalo inferior a quatro minutos entre cada trem de passageiros. “Algumas ficarão, inclusive, abaixo de três minutos.”

Hoje, a maioria das linhas tem entre cinco e seis minutos de intervalo entre as composições. Com isso, sobram 12 janelas de ociosidade para as operações de cargas da MRS, em duas faixas de horário: das 9h às 15h, e depois das 21h às 3h. É impossível ampliar essas faixas porque os trens de cargas são muito lentos e pesados, e a operação concomitante com as composições de passageiros fica inviável.

Há quatro anos, quando estudou o assunto, o BNDES estimou que a demanda de transporte de cargas ferroviárias no Ferroanel passaria de 52,8 milhões de toneladas para 99,4 milhões de toneladas em 2023. Há forte potencial para mercadorias como soja, açúcar, álcool, areia e fertilizantes. A MRS diz que a construção do Tramo Norte permitiria o uso de contêineres “double deck”, que duplicam a capacidade de transporte sobre trilhos.

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