O governo federal renegociará os contratos de todos os portos que têm a administração delegada a Estados, municípios e à iniciativa privada, para ter mais influência na gestão e dividir os investimentos em obras como dragagem e ampliação de capacidade.
A revisão deverá abranger 16 portos, que receberam quase 93 milhões de toneladas de mercadorias no ano passado, o equivalente a 32% do movimento total no sistema. O Valor apurou que a prioridade do governo é mexer nos contratos de três terminais: Paranaguá (PR), Rio Grande (RS) e Itaqui (MA). Mas também estão na lista portos como Imbituba (SC), único concedido até agora ao setor privado, e São Francisco do Sul (SC), cujo contrato com o governo catarinense já expirou e foi renovado ontem, em caráter provisório, por mais oito meses.
O processo de repactuação deverá começar no primeiro semestre de 2012, tão logo a Secretaria de Portos receba a versão final dos estudos que compõem o Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), um diagnóstico dos investimentos e das necessidades de ampliação nos terminais brasileiros pelos próximos 20 anos.
A União quer indicar representantes próprios – não necessariamente o presidente – nas diretorias-executivas dos portos delegados e participar mais ativamente da gestão. Também pretende transformar esses portos, que normalmente funcionam como superintendências dos governos estaduais ou municipais, em sociedades de economia mista, a exemplo do que ocorre já com as 18 companhias docas.
O ministro-chefe da Secretaria de Portos, Leônidas Cristino, recebeu sinal verde do Palácio do Planalto para levar adiante a revisão. Na avaliação do governo, há portos delegados que não cumprem à risca a exigência de reinvestir integralmente o lucro obtido com as tarifas. Em alguns casos, as receitas portuárias entram em um caixa único das prefeituras ou dos Estados, gerando confusão no momento de definir o orçamento para obras nos terminais.
Em casos extremos, embora isso deva ser mais exceção do que regra, a União poderá retomar a gestão dos portos. Trata-se de um assunto em que auxiliares diretos da presidente Dilma Rousseff preveem alto potencial de atrito com governos estaduais e municípios.
Para evitar desgaste antecipado, o governo faz segredo sobre os portos em que avalia que o mau desempenho operacional poderá levar à medida mais extrema, de retomada da administração. Na maioria dos casos, porém, a intenção é fazer uma renegociação pacífica, com o objetivo de “compartilhar investimentos e obrigações”, segundo definiu um interlocutor de Dilma.
A análise do Planalto é que a União assumiu sozinha obras relevantes nos portos delegados, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e é injusto não participar da gestão dos terminais. “Hoje temos uma relação distante com esses portos. Não queremos essa distância”, comentou o auxiliar da presidente.
No porto de Rio Grande, transferido ao governo gaúcho, foram investidos R$ 462,4 milhões no prolongamento dos molhes em 1,3 milhão de metros cúbicos. O aprofundamento dos canais de Itajaí, sob gestão da prefeitura, está sendo bancado com recursos federais. Em Itaqui, cuja administração compete ao Maranhão, a União aplicou R$ 73 milhões em dragagem do canal de acesso e assumiu a maior parte do investimento na recuperação de um berço e na construção de outro.
Com o plano de logística portuária em mãos, o governo federal espera ter um raio-X completo das ampliações de capacidade necessárias nas próximas duas décadas. Além das obras em si, pretende identificar onde há riscos de “sobreposição de investimentos”. Ou seja, evitar que dois portos próximos – ou com a mesma vocação – façam obras desnecessárias e entrem em “concorrência predatória”. Cada autoridade portuária tem liberdade para definir suas tarifas. Assim, acredita-se que será possível otimizar os recursos disponíveis.
Com esse diagnóstico, a União quer discutir uma divisão dos investimentos com os governos estaduais e municipais responsáveis pelos portos delegados. Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontou a necessidade de investir R$ 42,8 bilhões em 265 obras para superar os gargalos atuais da infraestrutura portuária. Segundo o estudo, o PAC cobre apenas 23% das necessidades totais. “Esse fato reforça o entendimento de que é fundamental que as obras do PAC sejam executadas segundo seus cronogramas físicos, isto é, sem atrasos, para que o país não passe por um colapso do sistema portuário nos anos à frente”, constatou o Ipea.
Em Paranaguá, maior porto delegado do Brasil, com 34,3 milhões de toneladas movimentadas em 2010, a renegociação é encarada com tranquilidade, segundo Airton Vidal Maron, superintendente da Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa). “Hoje todas as nossas ações são coordenadas com o governo federal.”
Para o superintendente, “é justo que a União esteja inserida na administração”, já que ela participa dos investimentos. Hoje, a relação é “harmônica”, tanto com a Secretaria de Portos, quanto com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), mas nem sempre foi assim, disse Maron. Um contrato de delegação negociado em 2001 e com validade de 25 anos (renováveis por mais 25 anos) transferiu a administração de Paranaguá para o governo paranaense.
O advogado Fábio Alves Moura, do escritório FHCunha e especialista em infraestrutura, observa que, “em geral, as cláusulas dos contratos de delegação são bastante vagas e não especificam condições objetivas de operação”, o que pode dificultar uma renegociação. Para ele, o sistema portuário não conseguiu acompanhar o crescimento da demanda nos últimos anos, apresentando “custos altos e eficiência operacional reduzida”. “O próprio modelo, com portos públicos, privados e delegados, traz alguma confusão”, diz.