Quando Portugal estava no centro da crise da dívida soberana da zona euro, negociadores da China procuraram mais de uma vez a delegação brasileira, durante reuniões do G-20, com a mesma indagação: por que o Brasil não comprava títulos da dívida portuguesa para ajudar o país?
A resposta brasileira também não variou: foi de que o Brasil não iria usar reservas internacionais para adquirir bônus portugueses e, na prática, fazer o “bail-out” (socorro) de bancos franceses e alemães.
Quem conta esse episódio é um alto diretor de banco central estrangeiro que participa do G-20. Agora ele vê como “agenda chinesa” a discussão no Brics para ajudar a zona euro. E o que a China decidir será adotado, na reunião dos ministros de finanças e de presidentes centrais do grupo no dia 22 em Washington.
Para essa autoridade monetária, o Brasil é o país no Brics que faz a coordenação do dia a dia, estudos, contatos com outras nações. Mobilizou-se na semana passada para pedir reunião sobre a Grécia no Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas quando um tema é mais relevante, é Pequim que toma realmente a decisão, diz a fonte.
A ideia é de que a compra pelos Brics de títulos denominados em euros poderia ajudar a reduzir a pressão sobre os prêmios cobrados nos papéis dos países da periferia em crise como Itália, Espanha, Grécia e Irlanda.
“O interesse da China é evitar um colapso na economia internacional”, analisa essa fonte. “A China precisa de consumidores, de todas as cadeias de produção e abastecimento funcionando” É uma lógica diferente da alemã.
A conclusão é de que, se Pequim decidir por um pacote de aquisições de títulos em euro, e com o tesouro de que dispõe, caberá ao Brasil e outros participarem mesmo que seja com uma fatia simbólica de suas reservas.
Nick Chamie, diretor do Royal Bank of Canadá (RBC), acha uma boa ideia uma ação coletiva se “isso ajudar a acalmar o mercado financeiro global reduzindo os temores de refinanciamento ou risco de default para governos da zona euro”. No entanto, não considera prudente aumentar a exposição nos países mais fragilizados, como Grécia, Portugal, Espanha e Itália, e que são justamente os que precisam ter seus títulos comprados.
Heiner Flassbeck, economista-chefe da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), considera “interessante” a iniciativa, mas recomenda que os países do bloco não se limitem a isso. “A questão não é dinheiro, mas de políticas”, diz. A Unctad acha que os europeus estão afundando suas economia com programas de austeridade. Outro erro é esperar que as grandes economias emergentes possam liderar a recuperação global.
Na segunda-feira, uma especulação de interesse da China em participar de leilão de títulos públicos da Itália agitou o mercado. No final, nada se confirmou. Para a Daiwa Capital Market Research, de Londres, os investidores têm razão de ser prudentes sobre potencial impacto de demanda de títulos da zona euro pelo estrangeiro. “A China tem claramente um interesse em investimentos em euro, e já terá volume substancial de títulos públicos italianos, mas seu foco principal continuará a ser dólares enquanto mantiver sua moeda vinculada ao dólar”, diz uma nota de Daiwa a seus clientes.
A iniciativa que o Brics vai discutir provavelmente já foi tratada com o Banco Central Europeu (BCE). Na segunda-feira, Jean-Claude Trichet, indagado sobre coordenação dos BCs numa solução para equacionar a crise, exemplificou que fala por telefone com frequência “com Alexandre (Tombini)” e outros banqueiros centrais.