Sem acordo para retirar as exigências de licença prévia de importação que violam as promessas de livre comércio do Mercosul, Brasil e Argentina concordaram ontem em um pacto de convivência, com o compromisso de “agilizar” a emissão dessas licenças e a sugestão de acordos “voluntários” de cotas de exportação à Argentina para um número limitado de setores industriais brasileiros. A ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, listou os setores em que quer limitar exportações brasileiras: calçados, têxteis (cama, mesa e banho), máquinas agrícolas, eletrodomésticos e freios e baterias de automóveis para o varejo.
“A exigência de licenças de importação, no caso do Brasil, cobre um universo que não chega a 20% das exportações brasileiras à Argentina, que cresceram 34% no ano passado”, ponderou Giorgi, ao afirmar que “definitivamente não faz parte da política industrial argentina reter produtos na alfândega ou atrasar licenças de importação.”
Ela reconheceu, porém, que a Argentina, como parte de sua política industrial, quer aproveitar sua competitividade em agricultura para desenvolver a fabricação local de tratores e colheitadeiras e incluiu esses produtos entre os “sensíveis”, que deverão ter limitações de entradas no mercado argentino. Ela garantiu que está havendo liberação de licenças para as três principais empresas do setor, que se queixam, porém, de retenção de produtos na alfândega.
Giorgi reuniu-se por mais de duas horas com o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, em Brasília, para resolver a crise gerada pelos atrasos na liberação de mercadorias nas aduanas argentinas, no início do ano, respondidas com a decisão brasileira de impor exigência de “anuência prévia” na importação de carros argentinos. Os dois decidiram estabelecer reuniões mensais entre os técnicos, para evitar atrasos na emissão de licenças superiores a 60 dias, prazo máximo admitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC).
Como sinal de boa vontade, Pimentel, que vem sendo pressionado pela indústria automotiva, preocupada com os desdobramentos da crise, informou, na reunião, estar disposto a liberar as licenças de entrada automóveis em no máximo 15 dias. Conciliador, o ministro negou a existência de crise comercial entre os dois maiores sócios do Mercosul e informou até que desengavetou, para análise, um antigo pedido da Argentina, de financiamento do BNDES para compra de caminhões argentinos, fabricados em parte com componentes importados do Brasil.
“Há possibilidade muito grande de incluir caminhões argentinos na linha do Finame, do BNDES, até porque têm muitas peças brasileiras”, disse Pimentel, ressalvando que a decisão cabe ao Conselho do BNDES. Recusando-se a retirar a exigência de licenças de importação prévias, porém, ele insistiu, na reunião reservada e na entrevista à imprensa que se seguiu, que a medida não tem como alvo a Argentina, mas o monitoramento das importações crescentes de carros, de todos os destinos.
Ao falar aos jornalistas, Giorgi reproduziu seus argumentos para mostrar que as licenças não automáticas de importação de automóveis são prejudiciais ao Brasil, porque as partes e peças de origem brasileira compõem grande parte dos carros fabricados no país vizinho. Ela lembrou que, no ano passado, o setor automotivo, incluindo máquinas agrícolas gerou um déficit na relação bilateral de US$ 2 bilhões, e que, nos primeiros quatro meses do ano, o déficit já chegou a US$ 1 bilhão.
Na prática, com a tentativa de conter as compras de máquinas brasileiras por argentinos, Giorgi está alterando oficiosamente o acordo automotivo do Mercosul, que estabeleceu limitações para comércio de autos, partes e peças, mas não criou limites no comércio de máquinas como tratores e colheitadeiras. Ela comemorou o anúncio, por empresas do setor, de instalação de fábricas em território argentino, uma delas com início de operação em junho.
Após descrever como outros países incorporaram ao setor agrícola um setor industrial sofisticado, “empregador de mão de obra e gerador de tecnologia”, Giorgi, sorrindo, concluiu: “Essa é a política industrial argentina.”
Embora adotasse o mesmo tom conciliador de Pimentel, Giorgi foi bem mais econômica nas promessas, e se comprometeu apenas a “agilizar” a liberação de importações nos itens referentes ao Ministério da Indústria – deixando de lado as barreiras sanitárias, fitossanitárias e técnicas, como as que, na Páscoa, impediram a entrada de chocolates e doces do Brasil. Os produtos que enfrentam atrasos superiores a 60 dias por demora do ministério são só 0,3% do comércio bilateral, minimizou ela.