Claudio Loureiro de Souza
O setor de navegação, que é fundamental para o comércio exterior e o desenvolvimento econômico de qualquer nação, tende a ter uma importância cada vez maior para o Brasil, sobretudo se considerarmos a perspectiva de crescimento a partir da retomada da atividade econômica – algo que não deve tardar a acontecer. A participação brasileira no comércio global hoje ainda é tímida, de cerca de 2% do total, mas esta inserção deverá apresentar avanços significativos ano após ano, tendo em vista o próprio peso da economia brasileira, a sétima maior do mundo pelo critério de tamanho do PIB, bem como o fim da recessão que, conforme apontam a maior parte dos analistas, se avizinha.
Pelos portos nacionais passam mais de 95% das exportações e importações brasileiras, o que reforça a relevância do setor de navegação. Mas a navegação é importante não apenas para o comércio exterior.
O segmento responde também por uma parcela do transporte de mercadorias dentro de nosso território, seja por meio da cabotagem (navegação entre os portos nacionais) – que apresenta grande potencial de crescimento, se medidas corretas forem adotadas -, seja pelas vias fluviais internas. É ainda fundamental para as atividades de apoio marítimo, apoio portuário e apoio à indústria de petróleo (prospecção e extração) em alto mar.
Todo este campo de influência na economia, com impacto direto na eficiência logística, na competitividade da cadeia produtiva e, por consequência, nos indicadores de atividade econômica faz com que a navegação seja objeto de uma justa regulação e regulamentação pelo Estado, o que efetivamente ocorre hoje.
O papel do Estado, neste sentido, está e deve estar voltado para o pleno atendimento dos usuários do transporte marítimo, nas diferentes vertentes mencionadas acima, tendo como pressuposto óbvio e inalienável a manutenção de um ambiente regulatório que propicie e garanta o equilíbrio econômico-financeiro das empresas que atuam no setor, sob risco de inviabilizá-lo.
Vale repetir que essas empresas têm papel capital no comércio exterior e no desenvolvimento do país, conforme comprovam os números mencionados de início.
A base deste ambiente regulatório está, é claro, na própria Constituição Federal, mais precisamente em dispositivos previstos nos artigos 21 e 178 da Carta maior. De forma complementar, especificamente, o setor está efetivamente regulamentado pela Lei 9.432, de 8 de janeiro de 1997, que ordena o transporte aquaviário, e pela Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, que criou a ANTAq – a agência reguladora do setor – e deu nova estruturação à navegação bem como a outros segmentos do transporte.
A ANTAq – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, dotada de corpo técnico de notória competência, e agindo sempre em estrita observância à Constituição e à Legislação pertinente, tem tido um papel relevante no aperfeiçoamento das resoluções normativas subsidiárias do marco legal setorial em todas as suas variantes, tendo em vista, como já enfatizado, o pleno atendimento dos usuários.
Nesta tarefa a ANTAq observa – além de critérios eminentemente técnicos -, regras de mercado, em especial à lei da oferta e da demanda na formação de preços, ciente de que essas regras são indispensáveis para garantir um desejável ambiente de concorrência, ponto de partida para a competitividade e a consequente qualidade dos serviços prestados, com benefício direto para os seus usuários.
Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU), ultrapassando a sua competência legal, editou Acórdão determinando à ANTAq que exija das companhias de navegação de longo curso cumprimento de obrigações que não encontram respaldo na Constituição Federal ou na Legislação específica. O intuito do Tribunal foi, supostamente, o de aperfeiçoar o setor, mas o efeito pode ser justamente o contrário. Regulação intempestiva, sem o devido fundamento legal e fora de qualquer previsibilidade geram insegurança jurídica e afastam operadores e investidores.
Entre as medidas extemporâneas preconizados pelo Acórdão à ANTAq, contrariando não apenas o corpo técnico do próprio Tribunal (que editou relatório em sentido oposto) como a Constituição Federal, está a exigência de outorga de autorização para as empresas estrangeiras atuarem no longo curso. A Constituição não prevê a outorga para empresas estrangeiras de navegação, determinando apenas que o Estado brasileiro respeite os tratados e convenções sobre transporte internacional de que o Brasil é signatário.
O constituinte foi sábio ao tratar da matéria, pois percebeu que a uma empresa de navegação global seria impossível atender a peculiaridades de caráter concessionário ou permissionário de cada país em que opera, e daí porque atribui-se aqui, a exemplo do que ocorre alhures, importância às convenções e tratados internacionais sobre o transporte marítimo.
Isso não significa que as empresas de navegação estrangeiras que aqui operam não estejam sujeitas a uma série de normas regulatórias, amparadas na Constituição e nas Leis 9.433 e 10.233, e à estrita fiscalização de órgãos como Receita Federal, Polícia Federal, Marinha, Autoridade Portuária, Anvisa, Ibama, entre outros. Houve quem de forma equivocada argumentasse, alinhado com o Acórdão do TCU, que o a exigência de outorga é uma questão se soberania. E que as empresas estrangeiras têm presença predominante no segmento de longo curso por conta da falta de outorga.
Ora, nada mais falacioso. O que empreendedores brasileiros precisam para ter maior presença na navegação de longo curso são custos internas compatíveis com os praticados no exterior. Em outras palavras, a empresa brasileira – não só na navegação, mas em qualquer segmento – precisa de um ambiente mais competitivo, representado por menor tributação (na navegação, em especial, sobre o combustível), redução de encargos trabalhistas e menos burocracia. Entraves que afetam, vale dizer, outros segmentos da navegação. A cabotagem, embora seja reservada às empresas brasileiras, representa apenas cerca de 2% do modal de transporte nacional, justamente por conta dos custos pouco competitivos.
A exigência de outorga para empresas de navegação estrangeiras em nada resolveria este problema. Ao contrário, geraria custos adicionais, a serem arcados, no final das contas, pelos usuários que supostamente se pretende proteger. E nem reforça a nossa soberania. Neste sentido, é preciso esclarecer que essas empresas estrangeiras têm sede no Brasil, empregam milhares de brasileiros, inclusive em seus postos de comando, e têm bilhões investidos no país, em navios e equipamentos.
O que ajudaria de verdade a soberania nacional seria uma postura de absoluto respeito à Constituição e às Leis, e trabalhar para tornar nossa economia mais competitiva. E isso passa pela segurança jurídica e a eliminação de custos desnecessários.
*É diretor-executivo do CENTRONAVE.