As empresas brasileiras vão colocar à prova suas estratégias de gestão de risco cambial pela primeira vez desde a crise de 2008, quando o uso de derivativos “exóticas” levou à lona Sadia e Aracruz.Neste trimestre, o impacto da variação cambial pode aumentar em mais de R$ 30 bilhões a dívida bruta das 15 empresas de capital aberto com maior exposição a moeda estrangeira, caso o câmbio permaneça no patamar atual até o fim desta semana
As companhias brasileiras têm até sexta-feira para torcer por um recuo do dólar. Se as preces não funcionarem, o impacto da variação cambial – 17% de alta do dólar até a última sexta-feira – deve elevar em R$ 32 bilhões a dívida bruta das 15 empresas de capital aberto que mais têm empréstimos em moeda estrangeira.
Esse deve ser o primeiro grande teste para as políticas de gestão de risco cambial das empresas abertas desde a crise de 2008, quando o uso de derivativos exóticos levou à lona Sadia e Aracruz.
Os balanços referentes ao terceiro trimestre, que mostrarão os efeitos da alta do dólar na prática, só serão conhecidos entre o fim de outubro e o início de novembro. Mas as notas explicativas dos informes do segundo trimestre dão uma boa pista do que deve ocorrer.
A leitura geral é que não há exposição exagerada a riscos como há três anos, mas em alguns casos o lucro líquido do ano pode ser seriamente comprometido, assim como a distribuição de dividendos, que legalmente é baseada no resultado contábil.
As notas explicativas indicam que para Petrobras, CSN, Gerdau e BRF-Brasil Foods a alta do câmbio não deve causar grande impacto no resultado. Seja porque as empresas têm ativos em moeda estrangeira ou porque fazem uma política quase total de proteção contra risco cambial.
Eletrobras e OGX, que têm exposição líquida ativa em dólar, devem registrar até mesmo um ganho no resultado financeiro, embora no caso da petroleira isso seja zerado no futuro com desembolso maior em contratos de aluguel de sondas de perfuração.
Entre aquelas que podem ter perda moderada estão Oi, que protege 90% da dívida indexada ao dólar, e JBS, que tem política ativa para evitar risco de variação cambial sobre o resultado.
Sobram, então, aquelas que devem ter impacto mais relevante, por não fazer hedge do principal da dívida em dólar- ou ao menos não totalmente. Entre as 15 do levantamento, são elas Vale, Braskem, Fibria, Marfrig, Suzano, Usiminas e TAM.
Com exceção da companhia aérea, o que elas têm em comum é que grande parte da receita é dolarizada, o que representaria uma proteção natural em caso de desvalorização do real.
“Temos que pensar em dólares americanos”, resume Roberto Castello Branco, diretor de relações com investidores da Vale, ao explicar que a companhia tem 97% da dívida em dólar porque 97% da sua receita também é referenciada nessa moeda.
Mas como apenas 14% dos custos da companhia são na moeda dos EUA (sendo 66% em reais e o restante em outras divisas), o executivo diz que há queda dos custos em dólar o que, tudo mais constante, contribuiu para “o aumento do fluxo de caixa operacional em dólares americanos”.
A lógica faz sentido para a Vale, que tinha índice de dívida líquida/Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) inferior a 0,5 vez ao fim de junho. Embora – com os dados em reais – a relação possa piorar ao fim de setembro, o nível seguirá baixo.
Já para a dona de frigoríficos Marfrig, um aumento próximo de R$ 1 bilhão na dívida líquida pode levar o indicador dívida líquida/Ebitda a mais de 5 vezes.
Esse nível supera os limites previstos em alguns contratos de financiamento da Marfrig (de 4,75), mas o diretor de estratégia corporativa e relações com investidores da companhia, Ricardo Florence, diz que os gatilhos existentes nos empréstimos não são disparados quando o motivo para a alta da dívida é a variação cambial. “Não esperamos ter nenhum tipo de problema com isso. Após passado esse primeiro efeito de balanço, em termos operacionais os resultados tendem a ser mais positivos.”
As empresas do ramo de papel e celulose Suzano e Fibria são outras que têm nível elevado de endividamento e que devem ver a situação piorar no curto prazo. Nos dois casos, a alta do dólar pode levar a relação dívida líquida/Ebitda para além de 3,5 vezes.
Esse é o teto previsto na política de gestão de risco da Fibria, embora os limites previstos em contratos de dívida, recentemente renegociados, sejam de 4,75 vezes para o terceiro trimestre.
A Suzano não informou os limites estabelecidos em seus contratos. Mas disse em nota que a alta do dólar terá efeito “apenas contábil” no endividamento, acrescentando que a empresa tem R$ 3 bilhões em caixa e prazo médio de dívida de 3,8 anos, sendo que 79% dos vencimentos são de longo prazo.
Por outro lado, a Suzano diz que a alta do dólar é “favorável às operações da empresa, que tem cerca de 55% de sua receita líquida oriunda das exportações”.
A Fibria foi procurada, mas não deu entrevista.
Com nível de endividamento menor, a Braskem também não protege o principal de sua dívida em dólar. Segundo Marcela Drehmer, diretora de finanças e relações com investidores, a política foi definida dessa forma porque o prazo médio da dívida em moeda estrangeira é de 15 anos e porque 100% da sua receita está dolarizada.
Como o prazo é longo, é possível capturar o impacto positivo do dólar mais alto na receita antes de ter que quitar a dívida. Além disso, os limites previstos nos contratos de financiamento são calculados em moeda estrangeira, tirando o risco de variação cambial.
Segundo Marcela, a empresa se protege apenas dos compromissos de curto prazo em dólar, por meio de caixa aplicado no exterior e com uma linha de crédito “stand-by”, uma espécie de cheque especial das empresas.
Em termos operacionais, a previsão da Braskem é que a margem aumente, já que apenas 70% dos custos da empresa são em dólar. O efeito da variação cambial, no entanto, só aparecerá na receita com atraso de três meses. “Não repassamos de uma vez, nossos clientes são pequenos”, diz Marcela.