Claudio Loureiro de Souza*
O setor de navegação é um confiável termômetro da atividade econômica. Como mais de 95% das trocas comerciais do Brasil passam pelos portos – a exemplo do que ocorre em muitos países -, é possível aferir os sinais de aceleração e desaceleração do crescimento a partir da análise dos movimentos de embarque e desembarque nos portos. O setor, cabe dizer, tem suas peculiaridades, e vale aqui tecer alguns comentários acerca dele para que se entenda melhor o contexto em análise.
Desde a crise de 2008/2009, as companhias de navegação em todo o mundo vêm redobrando os seus esforços – com indiscutível êxito – em busca de novos parâmetros de eficiência e produtividade, a fim de manter o equilíbrio econômico-financeiro de suas operações diante de níveis de demanda relativamente mais baixos, e garantir, desta forma, a manutenção do transporte do comércio global livre de interrupções ou colapsos.
Como já foi fartamente comprovado em números apresentados por consultorias independentes (caso da Drewry, de Londres), a diminuição da demanda teve como efeito inexorável a redução dos valores dos fretes – e o acirramento da alta concorrência que predomina no setor, com vantagens para os usuários. Desde então, houve leve recuperação dos fretes em alguns períodos, e mesmo assim em segmentos específicos da navegação, porém, longe ainda dos patamares pré-crise.
Para enfrentar este novo cenário de contração que emergiu em 2008-2009, armadores em todo o mundo passaram a buscar ganhos em escala a partir da introdução de embarcações mais modernas e econômicas, bem como a criar sinergias por meio do compartilhamento de rotas, medidas que possibilitaram a redução dos custos num momento de significativas perdas de receitas. Para os usuários dos serviços – ou seja, o contratante do transporte marítimo, exportadores e importadores em todo o mundo – este empenho dos armadores foi fundamental na medida em que manteve o fluxo do comércio, eliminando riscos e incertezas.
Muito bem, os dados referentes aos terminais brasileiros em 2014 revelam, como já era esperado, que houve queda no movimento total de contêineres, resultado que decorre, como de óbvio, da própria redução da atividade econômica. Mas o que é aparentemente surpreendente e por isso relevante notar é que, a despeito da queda no movimento portuário e do déficit de US$ 3,9 bilhões na balança comercial no ano passado (o maior desde 1998 e o primeiro desde 2000), o movimento de contêineres cheios para exportações no ano passado cresceu 4,8% em relação ao ano anterior, superando a variação do movimento de importações, que foi de 0,4%.
Outro dado relevante está no próprio resultado geral da tabulação feita pelo Centro Nacional de Navegação (Centronave) e recentemente divulgado. Embora tenha havido queda no movimento nos portos brasileiros em relação a 2013, houve, de qualquer forma, crescimento: total de 9,4 milhões de Teus (medida padrão de contêiner de 20 pés) movimentados, com variação de 2,8% em relação ao ano anterior. Claro, foi um resultado inferior aos anos anteriores (em 2013, a variação havia sido de 7% e em 2012 de 8,4%), mas ainda assim houve avanço.
O que esses dados nos mostram de forma clara é que, a despeito de um cenário transitório de contração econômica (cenário que deverá ser revertido, após o período necessário aos ajustes na política econômica , já em curso), o movimento nos portos brasileiros, sobretudo no segmento de contêineres, tende a crescer por conta do próprio potencial da economia brasileira – hoje a 7a do mundo. Não é por outra razão que, para 2015, projetamos, no segmento de navegação, um crescimento em torno de 1% no volume total de TEUs movimentados nos portos brasileiros, ainda que com a expectativa de ligeira retração (0,8%) do PIB brasileiro. Além disso, a participação da economia brasileira no comércio global (menos de 2%), muito aquém de seu potencial, renova as possibilidades de crescimentos.
Acessoriamente, os números nos mostram que o déficit na balança comercial de 2014 está relacionado ao recuo dos preços das commodities agrícolas no mercado externo, bem como ao aumento das despesas com importação de combustível, muito mais do que à redução do volume de embarques. Devemos, portanto, apostar cada vez mais nas cargas de valor agregado.
Embora a participação das importações no movimento de contêineres cheios, conforme demonstra a tabulação do Centronave, ainda seja maior que a das exportações (52,5% contra 47,5%), o avanço maior do fluxo de vendas, com taxa de variação superior em 2014, é sem dúvida razão para otimismo, sobretudo se consideramos o potencial ainda maior de crescimento que deverá resultar dos ajustes econômicos e das medidas igualmente em elaboração no âmbito do Ministério da Indústria, Comércio e Desenvolvimento visando a garantir competitividade à cadeia produtiva nacional.
Mas agora a principal conclusão a que todos esses dados e avaliações nos conduzem: é fundamental que o país não perca de vista os investimentos na infraestrutura portuária como meta estratégica prioritária, do contrário todas as perspectivas positivas de crescimento e desenvolvimento estarão irremediavelmente comprometidas. Os gargalos nos portos brasileiros ainda seguem sendo um fator que compromete a nossa eficiência, elevando o chamado “custo Brasil”. Se não houve um colapso nos portos nos últimos anos isso se deve justamente (triste ironia!) a paulatina queda de nossa atividade econômica pelas razões que bem conhecemos. Lembre-se que os maiores porta-contêineres do mundo ainda não podem atracar em portos brasileiros por falta de condições estruturais. E são os maiores porta-contêineres que permitem os ganhos em escala e as reduções de custos.
Nunca é demais lembrar que navio esperando dias na fila para atracação – como ocorre hoje no país – é custo adicional que repercute, de forma negativa por toda a economia. O exportador, que precisa ter preços competitivos para disputar o mercado global, é o maior prejudicado por esses custos adicionais. Ainda temos uma enorme demanda por serviços portuários que precisa ser urgentemente atendida por meio da implantação de novos terminais e da ampliação e modernização dos já existentes. Neste sentido, a Lei 12.815, de junho de 2013 (novo marco legal dos portos), já trouxe resultados, atraindo mais investimentos para o setor.
Mas é imperativo que o governo não deixe de tomar medidas complementares que venham a agilizar e desburocratizar os procedimentos relativos à implantação dos novos empreendimentos portuários privados. Da mesma forma, deve destravar as licitações em áreas públicas e renovação dos contratos de concessão de portos públicos arrendados. Somente assim um novo aporte de investimentos no setor poderá de fato se concretizar. O ritmo das mudanças ainda é mais lento do que o ideal. Na retomada do crescimento, que não deverá tardar, à eficiência da navegação, que já é uma realidade, precisa ter, como aliada, a eficiência dos portos.
*Claudio Loureiro de Souza é diretor-executivo do Centronave – Centro Nacional de Navegação Transatlântica.