Claudio Loureiro de Souza*
Mais de 95% do comércio exterior brasileiro passam pelos portos, ou seja, quase quatrocentos milhões de toneladas por ano. É, portanto, compreensível que toda medida que possa afetar o setor gere grande expectativa, mobilizando diferentes segmentos. Neste exato momento em que a economia dá claros sinais de retomada da atividade – o que tem impacto direto nas operações portuárias – uma questão em especial concentra, justificadamente, as atenções.
Trata-se da proposta de privatização dos serviços de dragagem no Porto de Santos, uma antiga reivindicação de arrendatários, operadores portuários, terminais privados, usuários (exportadores e importadores) e, claro, armadores.
Se o modelo der certo no maior porto do país e da América Latina – e tem tudo para lograr êxito, se houver transparência e planejamento, a partir de critérios técnicos bem definidos -, a tendência é que ele possa ser expandido para outros portos brasileiros, quase todos, sem exceção, “assombrados” pelo fantasma das restrições nos acessos marítimos.
Não é desprezível o que isso significaria em termos de ganhos em eficiência e produtividade não apenas para as operações portuárias, como para toda a cadeia produtiva nacional – um efeito positivo multiplicador.
Basta dizer que a perda de alguns centímetros de calado (que é a profundidade máxima de navegação das embarcações) num canal de acesso a um porto representa milhares de toneladas a menos na movimentação de carga – e alguns milhões a menos na geração de riquezas e no recolhimento de tributos incidentes sobre as atividades portuárias e de comércio exterior.
Em outras palavras, quando o setor privado perde eficiência, o setor público também é diretamente afetado, e toda a sociedade sai perdendo. Numa aritmética simplificada, mas que dá bem a dimensão do problema, a cada centímetro perdido de calado são cerca de 112 toneladas a menos de carga embarcada num navio. Com 90 centímetros de redução de calado, são cerca de 10 mil toneladas de perda ou cerda de 625 contêineres que se deixam de carregar potencialmente a cada grande navio.
Mas alguns então devem se perguntar: por que os canais de navegação de acesso aos portos brasileiros têm pouco calado? Ora, porque as inúmeras obras de dragagens feitas nos últimos anos não foram bem executadas, a despeito dos milhões gastos (dinheiro público, saliente-se) nesses serviços. É isso que se pretende mudar.
O gerenciamento da contratação das dragagens está a cargo das Companhias Docas e agora, pela proposta apresentada ao governo federal, caberá a uma empresada privada, criada com este propósito específico e controlada por terminais privados e arrendados, bem como por operadores portuários.
Os recursos desta empresa virão das tarifas hoje já existentes, destinadas à manutenção das profundidades do canal de acesso. Portanto, o que mudará será a gestão desses recursos, que passará a ser feita com critérios pautados pela eficiência e transparência.
O Brasil conta hoje com terminais portuários modernos e eficientes. É claro que esta infraestrutura ainda está aquém do que será necessário para atender ao aumento de demanda por serviços portuários quando a economia de fato voltar a crescer de forma robusta. Mas é indiscutível o avanço que houve nos últimos anos, graças aos investimentos feitos em novos terminais privados e na modernização e ampliação de terminais arrendados, a partir da nova Lei dos Portos (Lei 12.815, de 2013).
Contudo, a eficiência desta nova infraestrutura tem sido minada pelos recorrentes problemas nos acessos marítimos, por conta da falta de dragagens nos canais de navegação ou – o que é muito mais grave – em decorrência das obras de dragagens mal executadas. De nada adianta ter uma infraestrutura portuária moderna, se os navios não podem utilizar toda a sua plena capacidade nas operações.
Cabe dizer que por conta desses problemas de calado, os maiores navios de carga em operação no mundo não acessam os portos brasileiros. Boa parte dos novos terminais até teria condições de receber essas embarcações, mas as restrições de calado impedem que isso ocorra. A eficiência desses terminais está sendo jogada no ralo, em prejuízo do país.
Para usar uma metáfora exagerada, mas que resume a dramaticidade deste paradoxo entre terminais modernos e canais de navegação inadequados, é como construir uma Catedral na Lua, onde ninguém pode chegar. Somente no Porto de Santos, foram inúmeras as dragagens feitas nos últimos anos, com milhões investidos nessas obras, sem que, contudo, o problema do acesso marítimo tenha sido solucionado.
Portos do Rio de Janeiro, de Santa Catarina, do Paraná e do Nordeste sofrem com o mesmo problema. Do ponto de vista das companhias de navegação, a questão é crucial, pois melhores acessos equivalem a maior produtividade, à medida que as embarcações de suas frotas passam usar sua plena capacidade de carga – e mais uma vez aqui o efeito é multiplicador e se propaga por toda a cadeia produtiva.
O que todos esperam, portanto, é que o governo não tarde a baixar a portaria que definirá este novo modelo de dragagens, a cargo de uma empresa privada, pautada pela eficiência.
* Claudio Loureiro de Souza é Diretor-Executivo do Centronave